Com 413 gols, salário de R$ 18 mil e repertório que inclui até cavadinha, Gabriel trilha caminho para ser o ‘quarto raio’ a afetar a Baixada Santista
Inteligência do Ganso, habilidade do Neymar e velocidade do Lucas. A comparação impressiona, mas foi com essas palavras que o empresário Wagner Ribeiro, responsável também pelas carreiras do moicano santista e do jovem são-paulino, definiu Gabriel, de 14 anos, mais nova aposta do Santos. Abusado com a perna esquerda e dono de uma conclusão certeira, o camisa 10 do Peixe mostrou na Copa Brasil Sub-15 que, depois de Pelé, Robinho e Neymar, o raio pode, sim, cair quatro vezes na Vila Belmiro.
Autor de seis gols, o meia-atacante foi o grande destaque da campanha que levou o Santos ao título brasileiro infantil. Nos gramados do interior do Paraná, o repertório apresentado foi grande. Chutes de fora da área, assistências para os companheiros e a frieza para definir diante do goleiro chamaram a atenção, assim como a cavadinha em cobranças de pênaltis contra o Flamengo, na primeira fase, e PSTC, nas quartas de final.
Gabriel posa com fã mirim após autógrafo: assédio de gente grande (Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)
Desde os 8 anos no clube, quando foi contratado após marcar, com a camisa do São Paulo, cinco gols em uma partida contra o próprio Santos, Gabigol, como gosta de ser chamado, é tratado como uma verdadeira joia na Baixada Santista. Não é à toa que foi o próprio Peixe quem tirou toda família de São Bernardo para morar com o garoto e paga, entre contrato de formação e direito de imagem, cerca de R$ 18 mil mensais (em acordo feito na gestão Marcelo Teixeira), valor incomum para a categoria.
Apesar da pouca idade, porém, o jogador já tem mostrado em campo que o investimento pode dar bons frutos no futuro. Nesses seis anos, foram 413 gols marcados entre futsal e futebol de campo, onde já conquistou três títulos: dois paulistas Sub-13 e o Brasileiro Sub-15.
- Trabalhamos para que ele se torne um grande craque, mas o principal ele já tem: o talento. Estamos tentando colocar na cabeça dele a importância do aprendizado nas questões de jogo, parte tática, parte técnica... O resto ele realmente já tem. Sabe fazer gols como poucos. A grande vantagem dele é não ter medo de errar. É um menino que sabe jogar fácil, simplificar as jogadas, mas também partir para a individualidade – disse Emerson Ballio, atual treinador de Gabriel e “vítima” no jogo dos cinco gols em 2005.
Mais sereno que Wagner Ribeiro, o próprio comandante do Sub-15 santista não se privou de projetar o jogador que Gabriel pode se tornar no futuro. E, assim como o empresário, demonstrou otimismo no surgimento de um fenômeno.
- Pelo posicionamento, ele talvez seja parecido com o Ganso. Só que a finalização o torna um pouco mais próximo do Neymar e do Robinho. O Ganso é organizador, enquanto o Gabriel é mais incisivo. Chega um pouco mais ao ataque e define bem mais. É uma mescla. Lógico que é difícil falar hoje que o Gabriel pode ter as duas características, mas tem o posicionamento do Ganso e qualidade para definir de Neymar e Robinho.
Maturidade e concentração para diminuir a pressão
Momento da cavadinha nas quartas de final, contra o PSTC (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
A pressão depositada sobre seus ombros, ao que parece, não intimida em nada o jovem camisa 10. Acompanhado de perto pelo GLOBOESPORTE.COM durante a Copa Brasil Sub-15, Gabigol demonstrou maturidade inesperada diante de sua idade. Membro de um grupo que tem como principal característica fora dos campos a descontração, ele deixa a impressão de ter a exata noção de expectativa sobre seu futebol e destoa em determinados momentos pela concentração.
Mesmo sem deixar de participar das brincadeiras ou de realizar dancinhas na comemoração dos gols, é fácil vê-lo isolado, seja no ônibus ou no vestiário, refletindo sobre a partida que tem pela frente. Outro ponto de destaque é a ausência de acessórios da moda ou cabelo moicano. De estilo simples, o meia-atacante diz preferir se destacar pelo que faz em campo.
- Gosto de mostrar meu estilo em campo. Dar chapéu, cavadinha, sempre tranquilo, alegre, e vou para cima dos adversários sem medo... Gosto de entrar em campo e jogar bola. Fora de campo, sempre me divirto com meus amigos, saio... Em campo, a coisa é séria, mas não perco a alegria de criança.
Cria do Santos, os espelhos naturais são Neymar e Robinho. Seguir os passos dos ídolos é algo encarado com naturalidade pelo garoto de 14 anos.
- Sei da responsabilidade que tenho. É importante às vezes ficar mais calado, tentando ficar mais concentrado. A cobrança vem cedo, mas é por eu conseguir jogar bola bem e ajudar o time. Acho uma coisa normal. Quando entro em campo, esqueço isso e jogo com alegria. Só penso em jogar bola.
Mesmo ainda distante do profissional, Gabriel acostumou-se a lidar com o dia a dia de jogador desde que chegou ao clube. Não são poucos os registros na internet de encontros entre ele, Neymar e outro prodígio, Jean Carlos Chera, que se despediu recentemente do clube após polêmica. E para que tenha sucesso na formação de dois membros de sua trinca talentosa, o Santos olha com carinho para o que cerca o jogador sub-15 também fora dos campos.
- O Santos faz um trabalho excelente. A psicóloga está sempre à disposição para nos ajudar, os treinadores dão atenção. Além do apoio dos pais, que é fundamental. Minha mãe e meu pai estão sempre comigo, fazem tudo por mim – revelou Gabigol, enquanto distribuía autógrafos no interior do Paraná.
Supervisor das categorias de base do clube, Bebeto Stival é outro que colabora neste processo. Se no dia a dia Gabriel tem o mesmo tratamento que o restante dos companheiros, uma conversa ao pé do ouvido se torna fundamental diante da grandiosidade de seus passos.
- Temos a preocupação de orientar, sentar para conversar, até mesmo para direcioná-lo. É um menino de muito talento, que tem tudo para ser um grande jogador. Se tudo seguir como está indo, não tenho dúvidas que irá chegar. Mas a conversa é importante para que não comece a ostentar essa fama. É necessário ter pé no chão. Ele é um menino educado, bacana, que sabe ouvir. Isso é importante. Recentemente, ele ficou fora de uma convocação da Seleção e ficou cabisbaixo. Sentei e falei que é algo que acontece, até pela idade é necessário testar novos talentos, e ele entendeu.
Gabriel carrega nas costas o peso da camisa imortalizada por Pelé (Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)
Os cuidados com a questão psicológica estão aliados à lapidação da joia também tecnicamente. Responsável por este processo no campo, Emerson Ballio aponta um “ponto fraco”, mas reforça que a maturidade precoce do garoto contribui para que todas as etapas da formação sejam cumpridas gradativamente
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- Falta um pouco a perna direita, que é um fator interessante, mas é um garoto que cresceu coletiva e emocionalmente. É um garoto de personalidade. Há, sim, uma cobrança da torcida para que em todo jogo ele faça gol e talvez aconteça também da família, de quem cuida da carreira... Mas ele é bem maduro nesse ponto.
Corujas, pais acompanham todos os passos
Lindalva, mãe de Gabriel, acompanha e filma todos os jogos (Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)
O suporte familiar é outro ponto apontado em Santos como positivo para Gabriel. Ao contrário do que acontece com a maioria dos jovens, o camisa 10 tem a companhia de pai, mãe e irmã onde quer que jogue. Na cola dos passos do filho, Valdemir Almeida se inspira em Neymar pai para conduzir da melhor forma possível a carreira da promessa.
- Nós nos conhecemos de Santos. Viajávamos muito quando o Neymar tinha 13 anos, e o Gabriel, nove. Eu me inspiro muito nele. Analiso como o pai faz com o filho para seguir o caminho.
Em casa, nada de restrições. A conduta democrática, segundo Valdemir, tem dado certo e faz com que Gabigol respeite os acordos e ignore extravagâncias comuns em amigos da mesma idade.
- Lógico que ele vê os jogadores com moicano e outros acessórios, mas sempre falou que quer ter estilo próprio. Ele diz: “Quero ser eu”. É um garoto muito centrado. Não proibimos nada. Não tem problema fazer as coisas da idade dele. Marcamos a hora e ele sempre volta.
O pai é ainda o responsável por dar choques de realidade. Enquanto na rua apontam Gabriel como o novo Neymar, em casa o recado repetido a exaustão é bem pé no chão:
- Ele não chegou ainda a lugar nenhum. Ainda está sendo lapidado pelo Santos. Não é uma joia, quem sabe no futuro poderá ser.
Ao lado de Valdemir, Lindalva Barbosa, a mãe, tem uma função especial: gravar todos os jogos do filho. E tem que ser os 90 minutos. Para ela, a proximidade complementa o trabalho realizado pelo Santos para que a joia fique à vontade e preocupada apenas em “se divertir” em campo.
- Faço questão de estar sempre com ele. Adoro futebol e acompanho para que ele tenha segurança e saiba que estou aqui para o que precisar. A pressão sempre vai existir. Os pais cobram um pouco. Meu marido foi jogador, eu joguei futsal, mas o Santos tem uma estrutura grande com psicólogos, treinadores específicos. E isso vai trabalhando a cabeça da criança. O clube cobra estudo também. Acaba tornando tudo mais natural e fácil.
Promessa de profissionalização no Santos
Gabriel pela Seleção Sub-15 (Arquivo Pessoal)
Responsável pela definição ousada do início do texto, o empresário Wagner Ribeiro acompanha a distância o crescimento de seu mais novo investimento. Sem medo de errar, ele aposta no sucesso de Gabriel e argumenta contra quem duvida de suas palavras relembrando uma previsão recente e certeira.
- Ele tem a perna esquerda do Ganso, a técnica do Neymar e a velocidade do Lucas. Fiz a mesma comparação com o Neymar. Falando que tinha a visão do Kaká, habilidade do Robinho e definição do Ronaldo. Logo, logo, com o Gabriel isso também vai ser comprovado.
Tanto talento, por sua vez, não poderia ficar imune do assédio de outros clubes. Procurado por europeus, Wagner Ribeiro recebeu em mãos uma proposta de um rival nacional: o Flamengo. Uma negociação antes do profissionalismo, no entanto, foi descartada por ele e pela família. O motivo? A confiança e gratidão ao Santos.
- Fui procurado pelo Flamengo. Disse que não faria isso porque temos que ser gratos ao Santos, que é quem dá chance para ele jogar e o faz aparecer. Isso deve ser retribuído de alguma forma. Com gols, títulos e retorno econômico. Aconteceu o mesmo com o Neymar. O caráter dos pais dá segurança.
Os altos valores do contrato, não confirmados nem negados pelo empresário, não são capazes de prender Gabriel ao Santos. Há, porém, um acordo para que o jovem se profissionalize na Vila Belmiro e assine seu primeiro contrato assim que completar 16 anos.
Tamanha precaução é justificada nas palavras de quem conhece bem o Peixe e o futebol. Bicampeão mundial pelo Santos e pela Seleção Brasileira, Zito, ex-dirigente do clube, resumiu o futuro de Gabriel.
- Está fadado a ser bom jogador.
Que assim seja e a premonição do “craque três em um” se confirme. Pelo bem do futebol.
Comemoração com soco no ar, típico do maior craque santista: Pelé (Foto: Cahê Mota / Globoesporte)
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